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28/02/2023

Artigo: Peculiaridades dos Investimentos em Terminais de Celulose no Porto de Santos

Artigo: Peculiaridades dos Investimentos em Terminais de Celulose no Porto de Santos

Em abril de 2020 – num instante em que a pandemia do coronavírus havia exacerbado as incertezas do comércio internacional – a Suzano começou a operar um terminal de celulose em Santos, em parceria com a DP World Santos. Ocupando uma área de 35 mil m2 , com capacidade de armazenagem superior a 150 mil toneladas deste produto, e tendo demandado um investimento da ordem de R$ 700 milhões, o terminal foi inaugurado oficialmente em novembro, com grande cobertura midiática. Em 28 de agosto daquele ano, em leilão organizado pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), dois novos terminais foram arrematados pela Eldorado Brasil Celulose e Bracell SP Celulose, que passaram a ocupar uma área de 90 mil m2 . O valor total de outorga das instalações foi de R$ 510 milhões, além do compromisso de investirem R$ 380 milhões em infraestrutura. O terminal da Bracell foi inaugurado em 2021, enquanto que o da Eldorado ainda está em construção, com inauguração prevista para o segundo semestre de 2023.

Segundo uma nota divulgada pela Santos Port Authority (SPA) na véspera do leilão, os investimentos em terminais de celulose no porto de Santos constituem uma resposta do setor privado às diretrizes formuladas no Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ), homologado pelo então Ministério de Infraestrutura (Minfra) em julho de 2020. Entretanto, como veremos adiante neste trabalho, nas 233 páginas do PDZ não há uma única linha que informe à sociedade os fundamentos daquelas diretrizes, em particular quanto aos seguintes pontos:

i. Considerando-se que oito Estados da Federação (Mato Grosso do Sul, Bahia, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Maranhão, Espírito Santo, Paraná e São Paulo) são exportadores relevantes de celulose há vários anos, qual seria a lógica – do ponto de vista do interesse nacional – de se construir terminais para este produto justamente no maior porto do país?

ii. À luz da crescente sofisticação do perfil de cargas no porto de Santos nas últimas três décadas, qual seria o critério que justificaria a substituição de terminais de contêineres por terminais de celulose? 1 Doutor em economia pela Universidade de Londres e sócio da Ecostrat Consultores (www.ecostrat.net). 2

iii. Desde o final do século passado, a indústria de celulose do Estado de São Paulo vem perdendo posição relativa em âmbito nacional. Entre 2008 e 2018, por exemplo, sua parcela caiu de 50% para 31% (CNI, 2018). Assim, o PDZ deveria conter alguma explicação sobre por que – do ponto de vista da economia nacional – seria mais racional expandir a capacidade exportadora de São Paulo, restringindo o potencial de outros Estados cujas indústrias têm sido mais dinâmicas no passado recente?

iv. A partir de 2011, a tendência de longo prazo dos preços (US/tonelada) das exportações de celulose tornou-se declinante. Qual seria o eventual papel desta tendência sobre as perspectivas de desempenho dos terminais instalados recentemente em Santos?

De fato, as diretrizes do PDZ para a indústria de celulose oferecem uma prova inequívoca da irracionalidade do modelo de gestão portuária implantado parcialmente no governo passado, que era baseado em dois vetores: [i] A Portaria Minfra no 61, de 10.06.20, que reiterou o poder de comando do governo federal sobre os investimentos de curto médio e longo prazos nos portos brasileiros; [ii] a privatização das Autoridades Portuárias. Este modelo representava uma antítese das reformas implantadas no resto do mundo a partir do início da década de 1990, que visaram, justamente, descentralizar o processo decisório no setor portuário, e redefinir a personalidade jurídica das Autoridades Portuárias, tornando-as empresas estatais municipais submetidas aos controles da chamada governança policêntrica.

Este trabalho elabora o argumento acima da seguinte forma. A seção 2 resume o perfil das exportações de celulose neste século, bem como alguns indicadores dos níveis de excelência da indústria nacional. Estes dados servem de pano de fundo para as questões abordadas nas seções subsequentes. A seção 3 reconstitui parcialmente o processo de planejamento estabelecido pela Portaria Minfra no 61, com foco nas diretrizes para a indústria de celulose anunciadas no Plano Mestre, publicado em 2019, e no PDZ, elaborado no ano seguinte. Os resultados são surpreendentes e paradoxais: o Plano Mestre fornece projeções quinquenais da demanda por celulose no porto de Santos entre 2020 e 2060, com base num modelo econométrico dinâmico autorregressivo que usa 128 variáveis endógenas; já o PDZ considera que as séries do Plano Mestre estão “aparentemente” (sic) subestimadas, e gera um novo conjunto de projeções bianuais para o período 2020–2040, sem indicar as fontes dos dados ali utilizados, nem tampouco a metodologia aplicada nas projeções. A seção 4 comenta os padrões contemporâneos de governança portuária no resto do mundo, onde anomalias do tipo descrito na seção anterior seriam inviáveis. Por fim, seção 5 conclui que o atual debate sobre a privatização da SPA poderia ser encerrado de forma simples e transparente.

Clique aqui e leia o artigo completo.

Fonte: Ecostrats Consultores